Crônica do amor desperdiçado (romance)

Apresento o meu novo romance, Crônica do amor desperdiçado. Chamo-o crônica, gênero literário em geral caracterizado por exposição de tema sobre a atualidade, não no sentido em que é mais popular, mas no sentido da cronografia, exposição da história de duas pessoas pelos fatos nela havidos. O narrador desta história daria a ela, por epígrafe, a antífrase: história de uma interlocutora nobre. Esta narrativa, afinal, é sua diatribe, sua desforra, e ele a conta como lhe apraz.

Um professor de literatura esgotado, descrente de sua atividade, um literato fracassado e ressentido, um rabugento capaz de levar a extremos suas atitudes, um bufão: assim é o narrador deste romance. Em sala de aula, conhece uma aluna que, a despeito de sua beleza, juventude e independência, começa por oferecer a ele alguma esperança. O desenvolvimento dessa relação, no entanto, vem com uma boa dose de complicação. Depois do primeiro impacto causado pelas atitudes enigmáticas da garota, que não esclarecem diante de quem o professor/narrador/apaixonado se encontra, alguns fatos começam a se revelar. Há um noivo, além de algo sinistro nas atitudes dessa bela mulher: nunca é possível ter certeza do que exatamente ela quer. Esta narrativa é o longo caminho para sabê-lo.

Neste romance, escrito há vinte e cinco anos, mas somente agora chegando à sua versão final, utilizo-me da narração em segunda pessoa. O narrador, para se dirigir à sua interlocutora, usa o anacrônico pronome tu. Com isso, não será possível ao narrador ter uma livre interpretação da personagem com quem dialoga, criar e recriar sua existência a bel-prazer como é possível - menos - na primeira pessoa e - mais - na terceira pessoa. O uso do tu, assim espero, é uma estratégia para dar total autonomia à personagem feminina, “não és personagem em cuja cabeça possa penetrar e retirar de lá os caminhos fáceis tão típicos da ficção”. Com essa estratégia, além disso, o narrador poderá destilar toda a sua frustração, raiva e, por que não?, um virulento sarcasmo - elementos que marcarão a leitura desse romance cujo enredo parece não ter fim - diretamente contra a sua interlocutora.

Uma das características marcantes desta história é a índole de seus dois protagonistas. Homem e mulher apresentam-se com tal ambiguidade que ninguém parece ser inocente neste romance. Se ela parece pérfida e enigmática, o narrador, dono da palavra e da versão do que aconteceu aos amantes, mesmo se escondendo sob a lamúria e o ressentimento, talvez não consiga se manter tão inocente ao olhar de um leitor mais atento.

Se dei a este livro seu título principal, parece possível ter o narrador - não seria estranho acreditar - acrescentado a ele três outros que remontam às suas intenções: Inventário de umas tardes ou Ligeira coletânea de insultos ou Não tocarei teu nome. Impostos pelo narrador, já que nada pude fazer para evitá-los, aí vão, apêndices do título principal.

Pedro J. Nunes

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